A ciência dos símbolos

A Analogia

##### A EXPERIÊNCIA CORPORAL DA INICIAÇÃO E A TRANSMUTAÇÃO DA LINGUAGEM * A premissa de que qualquer ruptura profunda do nível ontológico ou modificação íntima da consciência de existir acarreta necessariamente uma reinvenção da linguagem verifica-se tanto na patologia, onde a dor confere às palavras do doente uma carga semântica e uma capacidade de evocação inéditas, quanto e sobretudo nos processos iniciáticos que exigem uma agonia, uma morte e uma ressurreição rituais, impondo ao neófito não apenas uma gíria secreta, mas uma expressão verbal intrinsecamente ligada a uma nova cenestesia e a uma experiência existencial do «Totalmente Outro» que transcende as metáforas psicológicas. * A descrição dos rituais da tribo Mandan, na América do Norte, ilustra a dimensão concretamente somática da transmutação iniciática, na qual os candidatos, submetidos a torturas extremas que incluíam a perfuração dos músculos peitorais e dorsais para a inserção de ganchos e cordas, eram içados e rodopiados até à perda dos sentidos, suportando o sofrimento com uma impassibilidade que atesta o acesso a uma surrealidade experimental capaz de anular o medo da morte profana e de reconfigurar a própria imagem corporal, assimilada simbolicamente à terra e ao movimento rotatório da abóbada celeste. * A universalidade do esquema iniciático de morte e renascimento manifesta-se na imposição de normas rituais que exigem o esquecimento da vida anterior e a reaprendizagem dos comportamentos elementares, como comer ou falar, bem como em tradições específicas como a dos povos bantu, onde a circuncisão é precedida por uma simulação de renascimento que envolve o sacrifício de um carneiro e o envolvimento do neófito na pele e membrana estomacal do animal em posição embrionária, estabelecendo homologias simbólicas entre o útero materno, a tumba e a pele sacrificial que se reencontram no Egito antigo e na Índia. ##### O SIGNIFICADO SIMBÓLICO DOS RITUAIS PALEANTRÓPICOS E A MAGIA ALIMENTAR * A interpretação dos vestígios do Paleolítico inferior, nomeadamente o suposto «culto sacrificial» dos crânios de urso das cavernas proposto por E. Baechler na gruta de Drachenloch, deve ser cautelosa ao postular uma espiritualidade primitiva monoteísta, devendo antes considerar a indissociabilidade entre valores mágicos, religiosos e utilitários na relação dos Paleantropos com o animal que constituía a base da sua economia de caça e com o qual partilhavam o habitat. * A disposição intencional dos crânios e ossos longos de urso em caixas de pedra (cistas) ou nichos, bem como o isolamento de um crânio rodeado por pedras ajustadas à sua forma, sugere a existência de uma dinâmica litúrgica baseada na comunhão alimentar e na apropriação das forças vitais da presa, onde a ausência de vértebras e a seleção das partes ofensivas do animal (cabeça e patas) apontam para uma operação simbólico-ritual de assimilação do poder do «inimigo», fundamentando a lógica dos símbolos na experiência concreta da nutrição e da sobrevivência. * A lei primordial da existência biológica heterotrófica, «comer ou ser comido», estabelece a assimilação do vivo pelo vivo como o nível mais arcaico da experiência, do qual deriva a lógica da analogia não como uma abstração intelectual, mas como a linguagem universal da natureza e da sobrevivência, manifestando-se primariamente através dos fenômenos de mimetismo onde a forma orgânica incorpora ou projeta temas do meio ambiente. ##### A GÊNESE EXPERIMENTAL DA ANALOGIA: CAÇA E MIMETISMO * O mimetismo biológico deve ser compreendido como uma inversão do processo de projeção temática territorial, onde o animal, em vez de apenas marcar o espaço com sinais indutores, estrutura e secreta o seu próprio território ou aparência como um meio artificial e instrumental de captura ou defesa, tal como evidenciado pela teia da aranha cuja geometria responde a alterações internas ou pela dança das abelhas que abstrai e comunica coordenadas espácio-temporais. * As técnicas humanas de caça e armadilhagem revelam-se como aplicações diretas das lições de mimetismo observadas na natureza, exemplificadas pelo casuar que imita vegetação aquática para atrair peixes, pela garça que utiliza iscas biológicas (películas da espinhela), ou pelo urso polar que mimetiza o som de arranhar o gelo para capturar focas, demonstrando que a chamada «mentalidade primitiva» ou «pré-lógica» assenta, na realidade, numa ciência rigorosa da observação e na eficácia experimental da lei da semelhança. * A aplicação prática destes princípios observa-se em estratégias como a dos esquimós, que utilizam garras de urso para arranhar o gelo e atrair focas, a dos pescadores Bozo do Níger que usam crânios de siluro como chamariz, ou a dos caçadores sírios que empregam máscaras de pantera para paralisar as perdizes pelo terror, confirmando que a magia da caça possui bases rigorosamente experimentais fundadas na experiência cotidiana da eficácia do mimetismo e da ação do semelhante sobre o semelhante. ##### A EXPRESSIVIDADE MIMÉTICA COMO LEI UNIVERSAL DA SOBREVIVÊNCIA * A distinção biológica entre a autotrofia vegetal e a heterotrofia animal impõe a esta última a necessidade de mobilidade e expressividade, desencadeando uma corrida evolutiva onde a capacidade de modificar a aparência (homocromia e homotipia) permite ao animal desviar os mecanismos de agressão através da ilusão, seja para se esconder (mimetismo defensivo e somatólise) ou para atrair presas (mimetismo ofensivo). * A complexidade dos fenômenos miméticos abarca desde estratégias não visuais, como as larvas do coleóptero *Atemeles pubicollis* que imitam o comportamento e o odor das larvas de formiga para serem alimentadas por elas, até ao mimetismo ostentatório onde espécies inofensivas imitam a coloração de espécies venenosas (como as falsas corais) ou formam cadeias de proteção mútua através da padronização de sinais de perigo. * O mimetismo agressivo leva a economia da armadilhagem ao seu paroxismo, como no caso do louva-a-deus *Hymenopus coronatus* que se confunde com orquídeas para devorar insetos, ou do peixe *Antennarius commersoni* que combina camuflagem perfeita de rocha com uma isca viva, demonstrando que a analogia é o instrumento vital que permite ao ser vivo escapar à fatalidade da identidade e sobreviver no devorante absurdo do real através da ilusão eficaz.

PS: ALLEAU, René. A ciência dos símbolos: contribuição ao estudo dos princípios e dos métodos da simbólica geral. Isabel Braga. Lisboa: Edições 70, 1982.