A última parte da carreira de Jacques Cazotte tem um caráter romanesco, embelezado à vontade pelos biógrafos.
Quanto à famosa profecia sobre a Revolução Francesa, que foi em grande parte uma invenção de La Harpe, acredita-se que a posição moderada adotada por Matter em sua biografia de Saint-Martin seja a mais sensata: "... Cazotte havia falado certa noite com certa gravidade sobre o futuro da França, em meio a uma sociedade frívola. Havia salpicado seu discurso de previsões mais ou menos verossímeis. Após os eventos, um ouvinte bem conhecido colocou em sua boca terríveis oráculos, com nomes e circunstâncias fornecidos pela própria história. E eis Cazotte tornado profeta sem o querer [^Matter Jacques: Saint-Martin, le philosophe inconnu, 1862, p. 55.]." Não deixa de ser verdade, porém, que no canto II de Ollivier encontra-se uma extraordinária sequência de cabeças cortadas, citada por Gérard de Nerval em seu estudo, na qual pode-se ver com razão uma espécie de alucinação profética.
De fato, desde a época moderna, em muitos intelectuais, a atividade cerebral tornou-se um fim em si mesma; pouco a pouco, desvinculou-se do conjunto dos problemas da vida, simbolizados pelo resto do corpo. E quando essa é a significação a ser buscada em um sonho ou visão, a impressão sentida pelo sonhador é de paz e calma, o tom do narrador é objetivo e distanciado. Ora, esse é precisamente o caso da passagem do canto II de Ollivier, em que cabeças cortadas de todas as idades e cores conversam entre si e descobrem que, sem mãos e sem corpo, são totalmente impotentes. Se a interpretação proposta estiver correta, seria apenas por acidente que o sonho adquiriu também, a posteriori, um significado premonitório, já que Jacques Cazotte viria a ser guilhotinado.
O único exemplo de Nodier basta para mostrar que é preciso evitar generalizações precipitadas nesse domínio, pois o escritor franc-comtois provavelmente presenciara cenas de execução durante o Terror, em Estrasburgo, e quando evoca uma cabeça cortada, isso desperta nele terríveis lembranças.
*PS: RICHER, Jean. Aspects ésotériques de l’œuvre littéraire: Saint Paul, Jonathan Swift, Jacques Cazotte, Ludwig Tieck, Victor Hugo, Charles Baudelaire, Rudyard Kipling, O.V. de L. Milosz, Guillaume Apollinaire, André Breton. Paris: Dervy-livres, 1980.
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