Revista La Puerta

Juli Peradejordi

##### Análise Simbólica e Etimológica do Prólogo de Dom Quixote * A abordagem da obra de Cervantes a partir de uma perspectiva simbólica exige que se considere o prólogo e o nome do personagem principal como portadores de significados ocultos, uma tarefa cuja dificuldade o próprio autor confessou ser superior à da composição do restante do livro, o que sugere que a brevidade do texto introdutório esconde pistas precisas disseminadas com discrição para auxiliar a interpretação do conjunto, funcionando como uma chave hermenêutica indispensável. * A declaração de Cervantes de que o leitor pode acreditar nele sem juramento remete à proibição bíblica do Deuteronômio de jurar em vão e sinaliza a necessidade de uma leitura sob a ótica da cabala e da etimologia hebraica, na qual o termo prólogo, derivado do grego *pro* e *logos*, atua não apenas como algo que antecede a palavra, mas simbolicamente como uma defesa do verbo e uma porta de entrada para o texto; em hebraico, porta é *deleth*, palavra correspondente à quarta letra do alfabeto e ao número quatro, o que coincide significativamente com a divisão da primeira edição do livro em quatro partes e com o uso de uma letra D maiúscula para iniciar o texto no vocativo ao leitor. * Ao dirigir-se especificamente ao leitor desocupado, o autor estabelece uma distinção entre aquele que está livre das vaidades mundanas e o homem profano ocupado por uma vida irreal, sendo este último habitado pela ignorância descrita por são Paulo como uma calosidade do coração ou *porosis*; este termo grego evoca foneticamente a pedra toba e o topônimo Toboso, estabelecendo uma conexão simbólica entre o impedimento espiritual, o tártaro ou sarro dental e o sobrenome Quijada, sugerindo que a verdadeira leitura exige a remoção dessas travas interiores. * A remoção do obstáculo que impede a revelação da palavra corresponde ao sentido esotérico da circuncisão do coração, um tema central que perpassa a busca por Dulcineia e o episódio da caverna de Montesinos, onde o coração purificado se torna um recipiente apto para a água da vida, permitindo que a língua pronuncie a palavra destravada, em contraste com a esterilidade e a secura do coração ocupado pela ignorância e desprovido de virtude. * Cervantes trata o leitor desocupado com títulos de nobreza e soberania, chamando-o de rei de suas alcabalas, o que remete à designação dada aos mestres da cabala citada por A. Safran e vincula etimologicamente o imposto ao dom recebido da tradição, ou *al cabala*; esse paralelo é reforçado pela observação de Dominique Aubier sobre a semelhança entre a busca do cavaleiro pela sua dama e a busca do cabalista pela *Shekinah*, ambas constituindo uma via religiosa de acesso ao sagrado. * A construção do nome Quixote pode ser interpretada como uma derivação do verbo hebraico *kaxat* ou *kashat*, que significa lançar flechas, aproximando-o foneticamente de *Kisote* e configurando o personagem como uma caricatura de Lancelote ou Lanzarote, uma hipótese corroborada por Martin de Riquer ao analisar o uso do sufixo ridicularizante e a influência das novelas arturianas na onomástica do fidalgo, que também buscou associar seu nome à sua terra natal, a Mancha, região caracterizada pela secura. * A polissemia do nome Quixote, que também significa coxa e está associada à profecia no Zohar, juntamente com a decomposição de Toboso nas raízes hebraicas *tob* e *oso*, sugerem que Dulcineia representa a doçura ou o tuétano contido no bom osso; essa metáfora do dom celestial, analisada por Hermann Iventosch a partir das Geórgicas de Virgilio e da obra de Antonio de Lofrasso, culmina na alegoria do cão filosófico de Platão descrita por Rabelais no prólogo de Gargântua, onde a extração da medula óssea simboliza o acesso à verdade substancial e ao alimento perfeito defendido por Galeno.