A trilogia formada por Molloy, Malone Morre e O Inominável, era aos olhos de Beckett uma obra única, para a qual ele desejava um único contrato de edição, e que foi, em inglês, conforme seu desejo, reunida em um só volume. Conforme as últimas palavras de O Inominável, “é preciso continuar, não posso continuar, vou continuar” (I, 213), ela prosseguiu apesar de tudo uma vez terminada, já que houve o doloroso e dificultoso trabalho de sua tradução, em colaboração para Molloy e sozinho para as duas outras partes: como as vozes dentro da obra não param de corrigir e retificar suas formulações, esta tradução, além de sua perfeição literária, apresenta variantes ao texto francês dignas de atenção, e das quais todo estudo deve levar em conta. É sobre esta trilogia, mas antes de tudo sobre seu último volume, que as páginas que se seguem se concentram: elas não pretendem de forma alguma trazer uma interpretação de conjunto da obra de Beckett, mas se limitam ao que esta pode esclarecer as questões levantadas no início deste livro.

Mas, apenas este projeto enunciado, apresentam-se duas objeções preliminares que parecem torná-lo vão (o que mostra que estamos bem em Beckett), uma de fundo, outra de forma. Se o objetivo deste livro é a exploração da subjetividade pela literatura (que se une ao questionamento da literatura pela subjetividade), e a violação do segredo dos corações, parece claro que não é para o lado de Beckett que se deveria voltar. Do início ao fim de sua obra, antes de tudo, ele afirma a impossibilidade de se conhecer, como de conhecer outrem, em verdade. “Não podemos conhecer e não podemos ser conhecidos”, diz o ensaio de juventude sobre Proust. Três décadas depois, Como é o rediz com um satisfecit de bônus: “é não lamento aqui ninguém conhece ninguém nem pessoalmente nem de outra forma (...) e não ainda lamento ainda aqui ninguém se conhece é o lugar sem conhecimento é sem dúvida o que faz seu preço”. Sabe-se, além disso, da firme recusa de Beckett a toda literatura da expressão, e da entrega complacente da subjetividade. A palavra “pequeno” retorna voluntariamente a este propósito. Fazendo, como tantos outros, e tantas vezes, o inventário de suas posses, Malone encontra um “pequeno pacote”: “Será meu pequeno mistério, bem meu. É talvez um maço de rupias. Ou uma mecha de cabelo.” (MM, 41). O Inominável diz: “pequena alma sempre” (I, 31). Ou em Como é: “pequeno caderno à parte estas notas íntimas pequeno caderno meu efusões da alma dia a dia”.

Em O Inominável, várias páginas de uma feroz zombaria são dedicadas à emoção ("era para eu saber o que é emoção, chama-se emoção, o que a emoção pode fazer, dadas as condições favoráveis"), onde são imaginadas cenas dilacerantes (heart-rending) de romances baratos e que terminam com onomatopeias e com o inarticulado quando não há mais "nada além de emoção" (I, 199-202). Pergunta-se ali "é o retorno ao mundo fabuloso (the world of fable)", e às histórias, estas páginas valendo como ironia em relação ao relato tradicional de uma vida humana. O psicologismo não é o ponto fraco de Beckett.

Mais profundamente ainda, é a própria identidade do eu e da consciência que é radicalmente questionada por sua obra: "Sim, ouço dizer que tenho uma espécie de consciência, e com isso uma espécie de sensibilidade, contanto que o orador não esqueça nada". Beckett parece, portanto, romper com a vasta empreitada que este livro tenta descrever e pensar, e só poderia ser evocado aqui por essa própria ruptura. Mas esse questionamento se explica incessantemente, numa Auseinandersetzung, dentro da própria obra, com o que fundamenta a economia de uma literatura da subjetividade, e torna multiplamente presente o que ela questiona. A própria noção de personagem, e a própria possibilidade de imaginar e como que ocupar a consciência de outro, são questões centrais da trilogia, e vêm para o primeiro plano de O Inominável.


PS: Chrétien, Jean-Louis. Conscience et roman I. Paris : Minuit, 2009