Fearful symmetry

A study of William Blake

A palavra "místico" jamais trouxe outra coisa senão confusão ao estudo de Blake e, em minha preocupação de impedir que tal termo desorganizasse este livro, iniciei por conceder, como espécie de lance de abertura, a atitude convencional do místico em relação ao artista, considerado o místico imperfeito que não consegue desprender-se inteiramente do mundo sensível. Mas disso não se segue que eu esteja disposto a permitir que o místico convencional permaneça de posse do campo.

O significado do termo "analogia", tal como Blake o utiliza em Jerusalem, é que ele está elaborando uma analogia visionis que, diversamente das analogias mais ortodoxas da fé e do ser, exclui a religião natural e, ainda assim, permite uma resposta humana à revelação. Essa analogia visionis é o limite a que Jerusalem nos conduz. Ora, enquanto a visão permanece algo, a analogia também o será; e o verdadeiro apocalipse não sobrevém com a visão de uma cidade ou reino, o que ainda seria algo externo, mas com a identificação da cidade e do reino com o próprio corpo. Porém, quando isso ocorre, o aspecto externo do mundo não caído converte-se em vazio, e a analogia do mundo não caído, ou corpo de Jesus, seria então o Criador sozinho no nada, que encontramos na primeira página de todas as cosmogonias ortodoxas.

Quando se dá este passo breve e inevitável além de Jerusalem, as lutas dos místicos para descrever o Uno divino que é todas as coisas, embora nenhuma coisa, e, ainda assim, não é nada; para explicar como esse Uno é idêntico ao eu e, contudo, tão diverso do eu quanto possível; para tornar claro como o aspecto criado do homem não existe de modo algum e, ainda assim, é um inimigo da alma normalmente vitorioso, começam a assumir maior relevância para Blake. Sob esta perspectiva, a "arte" de Blake torna-se uma disciplina espiritual semelhante ao "yoga" oriental, que liberta o homem ao uni-lo a Deus. O verdadeiro Deus para tais visionários não é o Criador ortodoxo, o Javé ou Isvara ou Nobodaddy que deve sempre envolver-se com uma substância eterna ou um nada eterno, conforme o gosto do teólogo, mas um Verbo criador desapegado, livre de ambos. A união com esse Deus somente poderia ser alcançada por um esforço de visão que não apenas rejeita a dualidade de sujeito e objeto, mas ataca também a antítese, muito mais difícil, entre ser e não-ser. Esse esforço de visão, assim denominado, deve ser concebido nem como tentativa humana de alcançar Deus, nem como tentativa divina de alcançar o homem, mas como a realização, na experiência total, da identidade de Deus e do Homem, identidade na qual tanto a criatura humana quanto o Criador sobre-humano desaparecem. A concepção blakeana de arte como criação destinada a destruir a Criação é a expressão mais prontamente compreensível desse esforço de visão de que tenho notícia; mas o próprio esforço é a base, por exemplo, do Zen-budismo, que, com seu humor paradoxal e sua íntima relação com as artes, se aproxima de modo surpreendente de Blake. Parece ser também a base da grande escola especulativa ocidental que forma uma tradição curiosamente bem integrada, pelo menos de Eckhart a Boehme, e que costuma ser chamada mística.

Se o misticismo significa primordialmente um quietismo contemplativo, então o misticismo é algo aborrecível para Blake, uma comunhão do Eu na região de Ulro; se significa principalmente uma iluminação espiritual que se expressa numa piedade prática e (a despeito de sua sutileza psicológica) não especulativa, como se observa no monaquismo militante da Contra-Reforma, o termo ainda assim não lhe convém. Mas se o misticismo significa primordialmente a visão da prodigiosa e impensável metamorfose da mente humana que acaba de ser descrita, então Blake é um dos místicos.


PS: FRYE, Northrop. Fearful symmetry: a study of William Blake. Princeton, N.J: Princeton Univ. Press, 1990.