Milloué1905
Nessa combinação trinitária — que pode nos parecer arbitrária, mas na verdade decorre da teoria da influência irresistível das três Gunas, personificadas em divinitades —, Brahma é definitivamente sacrificado.
Apesar de receber epítetos como "Ser Supremo", "Soberano Senhor do Mundo" e "Grande Ancestral das Criaturas", ele se torna:
Um deus secundário, mera emanação do Verdadeiro Ser Supremo (Vishnu ou Shiva, conforme a seita).
Sem energia nem iniciativa, sempre fugindo de responsabilidades.
Exemplo de retirada prudente diante de dificuldades, recorrendo à habilidade e coragem de Vishnu em momentos de perigo.
Reduzido ao papel de Criador/Demiurgo, Brahma é relegado ao esquecimento após a criação, tornando-se uma figura inativa e inútil.
Ocasionalmente, uma lembrança tímida de seu antigo poder o coloca em conflito com outros deuses, como quando:
Concede invencibilidade aos demônios Bali, Hiranyaksha e Ravana.
Fornece armas divinas aos inimigos dos deuses.
Mas essas ações apenas reafirmam sua subordinação.
Na tradição Vaishnava (Vishnuísta):
Brahma nasce de um lótus que brota do umbigo de Vishnu, quando este desperta de seu sonho cósmico sobre as espirais da serpente Shesha, flutuando no oceano primordial.
Simboliza sua dependência total de Vishnu.
Na tradição Shaiva (Shivaísta):
Brahma é uma emanação direta de Shiva, depositada como um germe fértil no ovo de ouro (Hiranyagarbha) que contém a criação em potencial.
Mantém vínculo com a tradição védica antiga, mas ainda como subordinado.
Pele vermelha (possível resquício de sua origem ígnea).
Quatro cabeças (cada uma recitando um Veda).
Quatro braços, segurando:
Disco solar (chakra)
Concha (shankha)
Rosário de contas
Colher de sacrifício
Curiosidade: Diz-se que Brahma tinha cinco cabeças, mas perdeu uma quando Shiva a carbonizou com seu olhar durante uma disputa violenta.
Brahma, outrora o princípio criador absoluto, foi eclipsado por Vishnu e Shiva na era purânica. Sua história ilustra:
A dinâmica do panteão hindu, onde divindades ascendem e decaem.
O triunfo do culto a Vishnu e Shiva, que redefiniram Brahma como um agente menor da criação.
A ironia teológica: o criador do universo tornou-se um deus sem devotos, enquanto suas "emanções" dominam a devoção popular.
Essa transformação reflete a evolução do Hinduísmo de um panteísmo védico para um monoteísmo disfarçado de politeísmo, onde um princípio supremo (Seja Vishnu ou Shiva) governa tudo.