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Gilvan Fogel – desafã (Guimarães Rosa)

sábado 5 de julho de 2025

O aprendizado do desaprendizado do símbolo, das significações, nos põe direta e imediatamente numa dimensão extraordinária, inabitual, insólita. E quando, de repente, começa-se a ver, “por exemplos: — a rosação das roseiras. O ensol do sol (a en-sola-ção do sol!) nas pedras e folhas, o coqueiro coqueirando, a pedra se mesmando”. Isso acontece, isso se dá, na verdade  , pode acontecer ou dar-se quando acontece ou se dá, seguindo Guimarães Rosa  , o “desafã  ”, isto é, quando se perde a cobiça, a sanha   — aqui, no caso, a cobiça de símbolos  , a sanha de, por significações [1]. Perdendo o afã, desaprendo a cobiça, impera o solto, o largado, o abandonado, tal como “criança   desconhecida e suja brincando à minha porta” — largada, solta, abandonada, em completo desafã. Este lugar, esta hora, esta paisagem extraordinária, insólita — é este o lugar, a hora, a paisagem e o país insólito e extraordinário da experiência   arcaico-originária da linguagem  . Uma epifania da vida   no dizer, da existência   no e como dizer, que se faz mostrar, i-mediato mostrar. O divino  , o sagrado, pois gratuitamente, desde nada   e para nada, a-byssalmente. Hierofania do e no divino sentir-ver-dizer — aísthesis-noûs-lógos. O corpo  , que é a alma  , a psyché (vida) dos deuses — e do homem  . Celebração e festa nisso, disso. E este é o lugar, isto é, o tempo   e a (T) terra, a pátria de Caeiro. Perfeita sintonia e sincronia com este acontecimento — isto é, uma sintonia e uma sincronia toda feita por e ao longo deste acontecimento. Por e ao longo da história  , que é este acontecimento. Isso e assim é, nisso e assim faz-se ou dá-se experiência da linguagem. E por isso, só por isso, Caeiro é mestre, o grande mestre. Como dissemos, não só o mestre do próprio Fernando Pessoa  , do Ricardo Reis e do Álvaro de Campos, mas também de Camões, de Drummond, de Cabral e até de Homero, de Dante  , de Shakespeare  , de Goethe  ... Enfim, de todos. De toda linguagem, que realmente diz, i. é, mostra. Então, também mestre, p.ex., da prosa de Platão, de Aristóteles, de Kant, de Hegel, de Nietzsche, de Heidegger...

FOGEL, Gilvan. O desaprendizado do símbolo: ou da experiência da linguagem. Rio de Janeiro: Mauad X, 2017.


[1Cf. Guimarães Rosa, J., Cara de Bronze. In: No Urubuquaquá, no Pinhém. Rio de Janeiro: José Olympio, 1978, p. 100.