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Romantismo, problemas de delimitação
sábado 29 de março de 2025
(Bornheim1956)
I — Um dos maiores problemas que nos propõe o romantismo é o de sua delimitação. Por um lado, a interpretação do romantismo é reduzida, frequentemente, a limites cronológicos estreitos, tendendo a esgotar-se em manifestações mera e simplesmente literárias; o problema sofre, assim, uma simplificação injustificável. Por outro lado, em um extremo oposto, há autores que pretendem encontrar, senão movimentos, ao menos traços ou tendências românticas através de toda a história da civilização; o dualismo romântico-clássico, segundo estes autores, constituiría a polaridade básica de motivos, que permitiría explicar, em obediência a seu antagonismo exclusivista, todo o desenvolvimento da cultura.
No primeiro caso, a interpretação, estritamente confinada a uma perspectiva literária, justifica-se, em parte, pela própria natureza de certos movimentos românticos. Esta limitação, contudo, não pode ser estendida a todos os romantismos: não pode ser universalizada na medida exata em que os movimentos românticos transcendem os limites do literário. Precisamente o mais rico de todos os romantismos, o alemão, seria nuclearmente ignorado, se submetido a considerações reduzidas a seu aspecto literário, por mais importante que tenha sido. Neste erro face ao romantismo alemão incidiram, aliás, os românticos franceses, ao menos até Baudelaire e a despeito das revelações — escassas — do L’Allemagne de Mme de Stael, a ponto de substituírem o autêntico romantismo germânico pelo pré-romantismo que foi o Sturm und Drang.
O segundo tipo de interpretação é incomparavelmente mais rico e fecundo, inclusive e sobretudo para a compreensão da literatura romântica. Considera o clássico e o romântico como duas categorias básicas, elucidativas do desdobramento da cultura. O romântico seria sempre uma fase de rebelião, de inconformismo aos valores estabelecidos e a consequente busca de uma nova escala de valores, através do entusiasmo pelo irracional ou pelo inconsciente , pelo popular ou pelo histórico, ou ainda pela coincidência de diversos destes aspectos. Compreendido como busca de novos valores, todo romantismo tendería a tornar-se um classicismo, desde o momento em que estes novos valores atingissem o seu máximo desenvolvimento, quer dizer, se estruturassem, se fixassem, se impusessem como uma ordem perfeitamente definida, estática, terminando, por isto mesmo, a dar margem a uma nova vazão da dinamicidade romântica, e assim sucessivamente. Teríamos, portanto, uma espécie de esquema histórico.
A deficiência desta interpretação reside na deficiência de todo e qualquer esquematismo histórico, ou seja, na impossibilidade de reduzir a história a uma dialética que implique em pontos fixos de referência, por mais dinâmica seja a consideração da cultura. Porque a história não obedece a esta espécie de leis, e quando estas são obedecidas em uma determinada interpretação, segue-se uma deformação dos fatos. O jogo romântico-clássico, se nos devemos prender a este dualismo, explica menos do que possa parecer à primeira vista a cultura francesa, por exemplo, mais radicalmente compreensível a partir da mentalidade clássica. Na Alemanha vale precisamente o contrário, pois há uma veia romântica presente cm toda a cultura alemã, a ponto de se poder duvidar da simples existência de um classicismo neste país.
No mais, esta interpretação tende a ver romantismo em todas as esquinas da história, e, em última análise, os elementos românticos seriam responsáveis por toda a evolução da cultura. Assim, por exemplo, na índia, Buda teria sido um romântico contra o classicismo brahmânico; o sentido do movimento presente no pensamento de Heráclito , deveria contrapor-se, romanticamente, à estaticidade metafísica do clássico Parmênides; os trovadores medievais teriam constituído um movimento romântico ao lado do monumento clássico da Suma Teológica de Santo Tomás de Aquino. Sem dúvida, seria inócuo pretender negar a enorme riqueza de sugestões que oferece esta maneira de considerar a cultura. Mas, aceitar esta riqueza de sugestões e subordinar a pesquisa histórica a este ponto de vista, são coisas distintas. Porque, de fato, neste caso, o que pode entender-se por romântico? Em verdade , não faríamos mais do que emprestar a palavra romântico a movimentos por vezes radicalmente distintos. Não encontraríamos nenhum conteúdo comum a todos estes pretensos romantismos, e quando coincidentes em dois ou mais movimentos — a presença, por exemplo, de uma atitude de rebelião — facilmente dar-se-ia vasa ao perigo de ignorar ou desconsiderar o sentido próprio deste conteúdo em um determinado movimento. Dito com outras palavras, o romantismo seria meramente um flatus vocis, vazio de significado, e que se, adaptaria, com gratuidade menor ou maior, a uma certa circunstância histórica. Seria sinônimo do nome que usualmente se empresta a uma determinada etapa de uma cultura, mas um sinônimo sui-generis, apto até mesmo, por vezes, a desviar a visão de uma perspectiva correta.
Esta tendência a considerar o romantismo dentro de uma generalização máxima tende a ser caracterizada, então, em uma dimensão psicológica ou antropológica. A atitude romântica confundir-se-ia, por exemplo, com a psicologia do adolescente, ao contrário da clássica, realizada pelo homem maduro. A psicologia feminina ofereceria outro paralelo com a mentalidade romântica. Teríamos, assim, a compreensão do problema, mas uma compreensão que, mais uma vez, contrariando a riqueza da análise apresentada, levaria a ignorar os aspectos propriamente culturais, históricos e filosóficos do romantismo, desviando-o de seu horizonte específico. Mais do que um estudo do romantismo far-se-ia psicologia ou antropologia. As conclusões viríam afirmar certas características fundamentais do homem, válidas em quaisquer circunstâncias históricas. Ora, o romantismo é, fundamentalmente, um movimento cultural, inserido em um determinado momento da história, e somente a partir desta situação pode ele ser compreendido. Toda análise psicológica ou antropológica só pode adquirir um sentido concreto e fornecer uma compreensão real, se incarnada nos valores específicos de cada romantismo, valores que transcendem e não podem ser reduzidos ao psicológico.