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Hesse: Siddhartha

terça-feira 23 de julho de 2024

A aventura de Siddhartha não é a de um   ocidental que se embrenha numa doutrina do passado, para por meio dela chegar à criação   e à vivência de um arquétipo próprio, que lhe decifra o enigma da vida  , do mundo   e de si mesmo  , mas é a de um hindu que na doutrina do Buda   vê abrir-se uma porta e que por fim   em nenhuma doutrina, mas na pura e simples aceitação da vida tal e qual ela é, feita de imperfeição e perfeição, consegue realizar-se. Realização que Hesse   exprime mais uma vez por meio de um símbolo de totalidade  , o rio, que adiante analisaremos. Siddhartha é filho   de um Brahmane. Recebe uma educação   esmerada, da qual faz parte a meditação dos grandes textos sagrados. E nos Upanishad encontra a afirmação daquilo que mais deseja conhecer: o mundo dentro de si, a divindade   dentro de si, pois tudo é uno, e a «alma   do homem   é o universo   inteiro» (G. W., vol. 5, pág. 358). Tal como em Demian, será preciso quebrar com o mundo ordenado da família, e descobrir novos caminhos. E Siddhartha sai de casa do pai  . Abandona um mundo feito para erguer com a sua própria experiência   um mundo novo, um mundo por fazer  . Há um amigo   que o segue, Govinda. E ambos se integrarão numa comunidade ascética, de Samanas, onde pelo martírio do corpo  , e por meio de técnicas de respiração e de meditação adequadas esperam, aniquilando o ego  , chegar ao Eu supremo, ao Uno misterioso, ao Absoluto. Mas nada   lhes proporciona uma libertação definitiva (pág. 365). O regresso ao ego, ao seu individual, era sempre inevitável, e Siddhartha sentia esse regresso como uma queda   no mundo, como um peso que o impedia de se erguer à sapiência, à salvação da eterna roda   da vida. Conclui, como explica ao seu amigo Govinda, que aquele não era o caminho  , aquela não era a via, e que estavam apenas a perder tempo  , a enganar-se a si próprios. Dá-se então o seu encontro com o Buda, e é deslumbrado que o ouve falar. A sua voz, como a sua aparência, é a de um homem que atingiu a plenitude (pág. 376). Govinda torna-se discípulo de Gautama, mas ele não, prefere não seguir uma doutrina — embora ela prometa a libertação do sofrimento   e da morte   — prefere continuar com a sua busca   sozinho. Como aliás fez o Buda. (YCHesse)